quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Escrito de aeroporto


Vejo um cego tocar violão ao pé da catedral, sua filha sorrindo ao seu lado. E o cão de olhos de cores diferentes que desfila nas ruas encharcadas de poeira e suor de Quijarro. Vejo o sol se fundindo na neve enquanto o por do sol sopra o frio entre as barracas. Vejo um tapete de nuvens sob os meus pés, enquanto o silencio ecoa pelos vales.

O deserto beija uma janela enquanto duas crianças brincam em uma sala cheia de visitantes distantes. Elas dançam pela sala como se a tempestade lá fora fosse um jardim. Quando a noite cai no deserto, escrevo horas a fio em busca de salvação.

Um casal de canadenses se abraça sobre a lagoa de Churup, e uma japonesa tira fotos de um cemitério. Uma senhora pede esmolas sobre Yungay: ela tem a boca retorcida como arame farpado e sua voz é embargada. Toco os paredões de pedra de Cusco, o piso branco do Salar e o manto de Salkantay.

Sinto saudades da estrada. Estou em todos esses lugares, enquanto descubro que deixei muitas coisas pelo caminho. Atravesso esses cenários como quem se esforça para recordar de um sonho que esqueceu. Faço as contas para me certificar de que estive lá. 35 dias de viagens em mais de 7 mil quilômetros de terra só de ida. 200 horas percorrendo caminhos em ônibus, carros, vans, trens, barcos: 8 dias flertando janelas e horizontes.

Deixo todas as coisas me escaparem, as palavras também fogem enquanto recolho miragens. Semeio as histórias em uma fogueira. Tento me banhar com elas, enquanto elas morrem. Entalho figuras nos espelhos aqui de casa, que em vão tentam me prender. No final das contas, todo espelho sonha em ser uma janela.

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